AQUI E AGORA
Proponho realizar durante a residência MÚTUA a construção editorial de um livro de artista, AQUI E AGORA, contendo fotografias, desenhos e textos. O livro tem como temática a relação de tempo que temos com aquilo que é um habito, melhor dizendo nossa relação de presença com aquilo que habita nossos dias, tempo e vida. Nossa presença pode ser percebida pelos rastros que deixamos no mundo, nossos riscos e vestígios. Aquilo que marca o mundo sem uma intensão grandiosa. Nossos dias são permeados dos pequenos gestos e fazeres que desenham o modo como habitamos um corpo e conduzimos a vida.

Tenho me dedicado a perceber esses gestos, essenciais e banais do cotidiano como também uma prática de ateliê. O insistir em um modo, em uma intenção, modificá-la, adaptá-la, e, ainda assim perceber o percorrer dos gestos, que iniciam, interrompem, finalizam, retomam, recomeçam, modelam, pausam e iniciam novamente a construção de algo. O algo a ser construído aqui é o desenho da presença dos dias, para tanto será feito a) em cerâmica/porcelana queima de saquinhos de chá consumidos no período de residência (espécie de fossilização de um acontecimento), b) o desenhos desses objetos queimados e c) a produção de textos descritivos destes acontecimentos - relação entre o trabalho de construção de uma vida (os hábitos) e de ateliê (experimentação e elaboração de um pensamento ou experiência vivida).

Estre projeto deve início em 2017 e ficou pausado até então. O projeto se relaciona com outros trabalhos realizados anteriormente, em que a casa, o corpo, o cotidiano, a construção de si e os gestos de fazer estão presentes. Relaciona-se também com a pesquisa desenvolvida no mestrado e agora no doutorado, onde o gesto de insistir é lente para leitura de produções de outrxs artistxs e minha. Insistir é dobrar-se sobre si mesmx e caminhar na marca dos próprios gestos. É produzir diferenças. E, por isto, desejo retomar o trabalho durante a residência Mútua. Há certo desafio que este projeto coloca sobre mim, vejo que as trocas em ateliê com outrxs residentes, a orientação, o convívio e imersão podem ser frutíferos para que o projeto dê passos e se realize.

Nessa página estão imagens dos primeiros experimentos de saquinhos de chá queimados em porcelana e cerâmica, gesto que grava por meio do fogo a presença de um acontecimento. As peças em cerâmica apresentam certa fragilidade, resistência, índice de temporalidade, intimidade e também, força, estrutura, fome. O que nessas ações se relacionam com a presença de uma mulher na sociedade que estamos?

De maneira direta o projeto e o livro não tratam de questões relacionadas a temática das mulheres nos campos das artes. Não é, a princípio, um trabalho de denúncia. No entanto, as temáticas destinadas as mulheres artistas são ditas da beleza, do cuidado, feminilidade, do corpo e de seus lugares políticos. Ao trazer por meio de fotografias, desenhos e textos os gestos que contam de uma presença, o trabalho dirá também de um lugar no mundo ocupado por uma mulher que deseja conversar com os agentes do mundo sobre os gestos que produzem arte, seus métodos e mecanismos. Por isto o projeto se dedica a olhar para a prática de ateliê como a olhar para os gestos de viver, e não do trabalho distante de um corpo. Lançar o olhar sobre aquilo que tem impacto intimo, com destino ao interno, ao contrário de lançar o olhar a terceirização do fazer (próprio do sistema capitalista, patriarcal e misógino), aquilo que é externo.

A prática de ateliê é colocada aqui com um fenômeno, vista a partir de gesto pequenos, banais e essenciais. Que ao serem vistos em um continuam, apontam não apenas ao volume, mas a um modo, prática constituinte de uma fazer. Por isto, imbricada a vida.
Proponente: Luiza Alcântara
Projeto: Aqui e Agora
luizaalcantaracavalcante@gmail.com
31 999156440
https://luizaalcantara.com/